Quando um homem começa a aprender, ele nunca sabe muito claramente quais são seus objetivos.
Devagar, ele começa a aprender... a princípio , pouco
a pouco , e depois em porções grandes. E logo seus pensamentos entram em choque. O que aprende nunca
é o que ele imaginava , de modo que começa a ter medo. Aprender nunca é o que se espera. Cada passo da aprendizagem é uma nova tarefa , e o medo que o homem sente começa a crescer impiedosamente, sem ceder. Seu propósito toma-se um campo de batalha .
E assim ele se depara com o primeiro de seus inimigos naturais. . . o medo! Um inimigo terrível, traiçoeiro, e difícil de vencer. Permanece oculto em todas as voltas
do caminho, rondando , à espreita. E se o homem, apavorado com sua presença, foge, seu inimigo terá posto um fim à sua busca.
_ E o que pode ele fazer para vencer o medo?
– A resposta é muito simples. Não deve fugir. Deve desafiar o medo , e , a despeito dele , deve dar o passo seguinte na aprendizagem , e o seguinte , e o seguinte. Deve ter medo , plenamente , e no entanto não deve parar. É esta a regra! E o momento chegará em que seu primeiro inimigo recua. O homem começa a se sentir seguro de si. Seu propósito toma-se mais forte. Aprender não é mais uma tarefa aterradora. Quando chega esse momento feliz , o homem pode dizer sem hesitar que derrotou seu primeiro inimigo natural .
_Uma vez que o homem venceu o medo , fica livre dele
o resto da vida , porque, em vez do medo , ele adquiriu a clareza... uma clareza de espírito que apaga o medo. Então , o homem já conhece seus desejos , sabe como satisfazê-los. Pode antecipar os novos passos na aprendizagem e uma clareza viva cerca tudo. O homem sente que nada se lhe oculta.
E assim ele encontra seu segundo inimigo ... a clareza! Essa clareza de espírito, que é tão difícil de obter , elimina o medo, mas também cega .
Obriga o homem a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que ele pode fazer o que bem entender, pois ele vê tudo claramente. E ele é corajoso porque é claro , e não para diante de nada , porque é claro. Mas tudo isso é um engano , é como uma coisa incompleta. Se o homem sucumbir a esse poder de faz-de-conta , terá sucumbido a seu segundo inimigo e tateará com a aprendizagem. Vai precipitar-se quando devia ser paciente, ou vai ser paciente quando devia precipitar-se. E tateará com a aprendizagem até acabar incapaz de aprender qualquer coisa mais.
_ Mas o que tem de fazer para não ser vencido?
_Tem de fazer o que fez com o medo... tem de desafiar sua clareza e usá-la só para ver, e esperar com paciência e medir com cuidado antes de dar novos passos , deve pensar , acima de tudo, que sua clareza é quase um erro. E virá um momento em que ele compreenderá que sua clareza era apenas um ponto diante de sua vista. E assim ele terá vencido seu segundo inimigo, e estará numa posição em que nada mais poderá prejudicá-lo. Isso não será um engano. Não será um ponto diante da vista. Será o verdadeiro poder.
Ele saberá a essa altura que o poder que vem buscando há tanto tempo é seu, por fim. Pode fazer o que quiser com ele. Seu aliado está às suas ordens. Seu desejo é ordem. Vê tudo o que está em volta. Mas também encontra seu terceiro inimigo ... o poder !
O poder é o mais forte de todos os inimigos. E , naturalmente, a coisa mais fácil é ceder . . . afinal de contas , o homem é realmente invencível. Ele comanda . Começa correndo riscos calculados e termina estabelecendo regras , porque é um senhor .
_E como o homem pode vencer seu terceiro inimigo , Dom Juan ?
_Também tem de desafiá-lo , propositadamente. Tem de vir a compreender que o poder que parece ter adquirido na verdade nunca é seu. Deve controlar-se em todas as ocasiões , tratando com cuidado e lealdade tudo o que aprendeu. Se conseguir ver que a clareza e o poder , sem controle, são piores do que os erros, ele chegará a um ponto em que tudo está controlado. Então , saberá quando e como usar seu poder. E assim terá derrotado seu terceiro inimigo.
O homem estará, então, no fim de sua jornada do saber, e quase sem perceber encontrará seu último inimigo. . . a velhice! Este inimigo é o mais cruel de todos , o único que ele não conseguirá derrotar completamente , mas apenas afastar.
É o momento em que o homem não tem mais receios, não tem mais impaciências de clareza de espírito... um momento em que todo o seu poder está controlado, mas também o momento em que ele sente um desejo irresistível de descansar. Se ele ceder completamente a seu desejo de se deitar e esquecer, se ele se afundar na fadiga, terá perdido a última batalha , e seu inimigo o reduzirá a uma criatura velha e débil. Seu desejo de se retirar dominará toda a sua clareza , seu poder e sabedoria .
Mas se homem sacode sua fadiga e vive seu destino completamente , então poderá ser chamado de um homem de conhecimento , nem que seja no breve momento em que ele consegue lutar contra o seu último inimigo invencível. Esse momento de clareza , poder e conhecimento é o suficiente .
Carlos Castaneda _ A erva do diabo , excertos _
Depois ,
de todas estas lutas , sabiamente , o homem dirá . . . Só os caminhos que tenham coração devem ser
percorridos . . .
4 comentários:
Boa tarde, Maria
Muito obrigada pela sua presença na minha «CASA».
Acredito que tenha ficado emocionada com a história do marine. Aconteceu o mesmo comigo, quando a li a primeira vez (em inglês); e depois, ao traduzir/compor em português senti a garganta contrair-se.
Gostei muito destes excertos de Carlos Castaneda. São pensamentos muito válidos que revelam grande sabedoria sobre o ser humano.
Bom fim-de-semana.
Beijinhos
Mariazita
Caminhos feitos com amor...
Beijo Lisette.
Maria,
Li este livro já lá vão uns bons anos, creio que ainda anda para ali na estante. Curiosamente, ou talvez não, o excerto que escolheu é das poucas passagens que me ficaram na memória.
Beijo :)
Minha querida
Não li esse livro, mas deve ser interessante,por este pequeno texto que dá para reflectir.
Um beijinho com carinho
Sonhadora
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