"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui" !
Eu olho-os com olhos lassos,
[ há, nos meus olhos, ironias e cansaços ]
E cruzo os braços ,
E nunca vou por ali...
/
Não, não vou por aí ! Só vou por onde me levam meus próprios passos ...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis ... "vem por aqui" ?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí . . .
Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos ?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil .
Eu amo o Longe e a Miragem ,
Amo os abismos , as torrentes , os desertos ...
Ide !
tendes estradas ,
Tendes jardins , tendes canteiros ,
Tendes pátrias , tendes tectos ,
E tendes regras , e tratados , e filósofos , e sábios.
Eu tenho a minha loucura !
Levanto-a , como um facho , a arder na noite escura ,
/
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções !
Ninguém me peça definições !
Ninguém me diga... " vem por aqui " !
A minha vida é um vendaval que se soltou.
/
Não sei por onde vou ,
Não sei para onde vou ,
Sei que não vou por aí.
José Régio [ Poemas de Deus e do Diabo , Cântico Negro , com alguns cortes ]
Imagem _ Luís Filipe Gomes _
2 comentários:
Os rebanhos são cada vez mais bem comportados...
Pertinente escolha, Maria!
Um bom final de domingo :)
Excelente este poema para os tempos que correm!
Abraço e boa semana, Maria
Enviar um comentário