A _ cor _ dar , é preciso !


domingo, junho 18, 2017

Côr de País Relativo



























País por conhecer, por escrever, por ler...


 

                        *

 
País purista a prosear bonito,

a versejar tão chique e tão pudico,

enquanto a língua portuguesa se vai rindo,

galhofeira, comigo.

 

                        *

 

País que me pede livros andejantes

com o dedo, hirto, a correr as estantes.

 

                        *

 

País engravatado todo o ano

e a assoar-se na gravata por engano.

 

                        *

 

País onde qualquer palerma diz,

a afastar do busílis o nariz ,
Não , não é para mim este país !
mas quem é que bàquestica sem lavar

o sovaco que lhe dá o ar ?

 

                        *

 

Entrecheiram-se, hostis, os mil narizes

que há neste país.

 

                        *

 

País do cibinho mastigado

devagarinho.

 

                        *

 

País amador do rapapé,

do meter butes e do parlapié,

que se espaneja, cobertas as miúdas,

e as desleixa quando já ventrudas.

 

                        *

 

O incrível país da minha tia,

trémulo de bondade e de aletria.

 

                        *

 

Moroso país da surda cólera,

de repente que se quer feliz.

 

                        *

 

Já sabemos, país, que és um homenzinho ...

 

                        *

 

País tunante que diz que passa a vida

a meter entre parêntesis a cedilha.

 

                        *

 

A damisela passeia

no país da alcateia,

tão exterior a si mesma

que não é senão a fome

com que este país a come.

 

                        *

 

País do eufemismo, à morte dia a dia

pergunta mesureiro ...  Como vai a vida ?

 

                        *

 

País dos gigantones que passeiam

a importância e o papelão,

inaugurando esguichos no engonço

do gesto e do chavão.

 

E ainda há quem os ouça, quem os leia,

lhes agradeça a fontanária ideia!

 

                        *

 

Corre boleada, pelo azul,

a frota de nuvens do país.

 

                        *

 

País desconfiado a reolhar para cima

dum ombro que, com razão duvida.

 

                        *

 

Este país que viaja a meu lado,

vai transido mas transistorizado.

 

                        *

 

Nhurro país que nunca se desdiz.

 

                        *

 

Cedilhado o cê, país, não te revejas

na cedilha, que a palavra urge.

 

                        *

 

Este país, enquanto se alivia,

manda-nos à mãe, à irmã, à tia , a nós e  à  tirania ,


sem perder tempo nem caligrafia.

 

                        *

 

Nesta mosquitomaquia

que é a vida,

ó país,

que parece comprida !

 

                        *

 

A Santa Paciência, país, a tua padroeira,

já perde a paciência à nossa cabeceira.

 

                        *

 

País pobrete e nada alegrete,

baú fechado com um aloquete,

que entre dois sudários não contém senão

a triste maçã do coração.

 

                        *

 

Que Santa Sulipanta nos conforte

na má vida, país, na boa morte !

  

                        *

 

País das troncas e delongas ao telefone

com mil cavilhas para cada nome.

 

                        *

 

De ramona, país, que de viagens

tens, tão contrafeito...

 

                        *

 

Embezerra, país, que bem mereces,

prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.

 

                        *

 

Desaninhada a perdiz,

não a discutas, país !

Espirra-lhe a morte pra cima

com os dois canos do nariz !

 

                        *

 

Um país maluco de andorinhas

tesourando as nossas cabecinhas

de enfermiços meninos, roda-viva

em que entrássemos de corpo e alegria !

 

                        *

 

Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro

e ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.

 

Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar,

já o passo a meu filho, cansado de o olhar ...

 

                        *

                       

No sumapau seboso da terceira,

contigo viajei, ó país por lavar,

aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,

a conversa pancrácia e o jeito alvar.

 

 

Senhor do meu nariz, franzi-te a sobrancelha ,

entornado de sono, resvalaste para mim.

Mas também me ofereceste a cordial botelha,

empinada que foi, tal e qual clarim !





 

             





Alexandre   O´Neill   _   Poesias   Completas    _

Sem comentários: