País
por conhecer, por escrever, por ler...
*
País
purista a prosear bonito,
a
versejar tão chique e tão pudico,
enquanto
a língua portuguesa se vai rindo,
galhofeira,
comigo.
*
País
que me pede livros andejantes
com
o dedo, hirto, a correr as estantes.
*
País
engravatado todo o ano
e
a assoar-se na gravata por engano.
*
País
onde qualquer palerma diz,
a
afastar do busílis o nariz ,
Não , não é para mim este país !
mas
quem é que bàquestica sem lavar
o
sovaco que lhe dá o ar ?
*
Entrecheiram-se,
hostis, os mil narizes
que
há neste país.
*
País
do cibinho mastigado
devagarinho.
*
País
amador do rapapé,
do
meter butes e do parlapié,
que
se espaneja, cobertas as miúdas,
e
as desleixa quando já ventrudas.
*
O
incrível país da minha tia,
trémulo
de bondade e de aletria.
*
Moroso
país da surda cólera,
de
repente que se quer feliz.
*
Já
sabemos, país, que és um homenzinho ...
*
País
tunante que diz que passa a vida
a
meter entre parêntesis a cedilha.
*
A
damisela passeia
no
país da alcateia,
tão
exterior a si mesma
que
não é senão a fome
com
que este país a come.
*
País
do eufemismo, à morte dia a dia
pergunta
mesureiro ... Como vai a vida ?
*
País
dos gigantones que passeiam
a
importância e o papelão,
inaugurando
esguichos no engonço
do
gesto e do chavão.
E
ainda há quem os ouça, quem os leia,
lhes
agradeça a fontanária ideia!
*
Corre
boleada, pelo azul,
a
frota de nuvens do país.
*
País
desconfiado a reolhar para cima
dum
ombro que, com razão duvida.
*
Este
país que viaja a meu lado,
vai
transido mas transistorizado.
*
Nhurro
país que nunca se desdiz.
*
Cedilhado
o cê, país, não te revejas
na
cedilha, que a palavra urge.
*
Este
país, enquanto se alivia,
manda-nos
à mãe, à irmã, à tia , a nós e à tirania ,
sem
perder tempo nem caligrafia.
*
Nesta
mosquitomaquia
que
é a vida,
ó
país,
que
parece comprida !
*
A
Santa Paciência, país, a tua padroeira,
já
perde a paciência à nossa cabeceira.
*
País
pobrete e nada alegrete,
baú
fechado com um aloquete,
que
entre dois sudários não contém senão
a
triste maçã do coração.
*
Que
Santa Sulipanta nos conforte
na
má vida, país, na boa morte !
*
País
das troncas e delongas ao telefone
com
mil cavilhas para cada nome.
*
De
ramona, país, que de viagens
tens,
tão contrafeito...
*
Embezerra,
país, que bem mereces,
prepara,
no mutismo, teus efes e teus erres.
*
Desaninhada
a perdiz,
não
a discutas, país !
Espirra-lhe
a morte pra cima
com
os dois canos do nariz !
*
Um
país maluco de andorinhas
tesourando
as nossas cabecinhas
de
enfermiços meninos, roda-viva
em
que entrássemos de corpo e alegria !
*
Estrela
trepa trepa pelo vento fagueiro
e
ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.
Hexágono
de papel que o meu pai pôs no ar,
já
o passo a meu filho, cansado de o olhar ...
*
No
sumapau seboso da terceira,
contigo
viajei, ó país por lavar,
aturei-te
o arroto, o pivete, a coceira,
a
conversa pancrácia e o jeito alvar.
Senhor
do meu nariz, franzi-te a sobrancelha ,
entornado
de sono, resvalaste para mim.
Mas
também me ofereceste a cordial botelha,
empinada
que foi, tal e qual clarim !
Alexandre O´Neill _ Poesias Completas _
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