A _ cor _ dar , é preciso !


segunda-feira, dezembro 28, 2009

Côr de conhecer .



Os fins entristecem-me. Viver as coisas até ao fim é matá-las.

E trocá-las por outras novas , é traí-las.
Se acabo um livro, sinto-me derrotado, fico deprimido, queria que continuasse, e não continua. Reler não é a mesma coisa. Lembrar não é tão bom como viver. Mas é melhor do que m
atar. Repugna-me a ideia das relações humanas que se «esgotam». Como se um sentimento se pudesse despachar.
É preferível abandonar a pessoa que se ama e guardar o amor que se tem por ela a segui-la até à saciedade.
As pessoas namoram e ficam casadas até se odiarem. Os amigos convivem de mais e começam a chatear-se. As famílias passam tempo de mais juntas, até descobrirem todos os defeitos de cada uma. Dir-se-ia que as pessoas
não suportam ter o coração dependente e então cansam- -no propositadamente , para se verem livres do sentimento verdadeiro e bom que sentiam.

Nunca se deve conhecer nada a fundo. Não falando na pretensão de pensar que se pode conhecer. Quando se diz «Conheço-o como as palmas das minhas mãos», há sempre uma insinuação feia e negativa.
Gosto das primeiras impressões, sobretudo quando se vão repetindo ao longo dos tempos. Odeio e evito as descobertas, género «Descobri que Fulano era afinal um malandro». Este afinal, com o seu tom peremptório e arrogante, como se fosse possível definir definitivamente um ser humano, irrita-me. É um acto de amizade não estar sempre a vasculhar e a reinterpretar os amigos. Toda a gente sabe que as pesso
as são polifacetadas mas porque não restringirmo-nos à faceta que conhecemos de que mais gostamos?

Mas as pessoas
não devem aguentar o amor, porque, mal amam, logo procuram destruí-lo com a falsa noção do conhecimento.

Não é por se estar mais próximo que se está mais próximo da verdade.
A verdade é aquilo em que acreditamos. Quem acredita ainda na distinção entre conhecimento e fé ? Porquê provocar, remexer no passado, fazer perguntas ? É como se as pessoas quisessem destruir o que as comove. É esse o sentido da frase de Wilde, que cada pessoa mata aquilo que ama. E tudo o que ele diz sobre a superfície é profundo.

Gosto de tudo a que chamam «cerimónia» e «boa educação». Odeio-me quando cedo a ler biografias de escritores que admiro. Tenho a certeza que a chamada «face» pública, que é a obra , que é o rosto que mostram, é não só mais bonita como mais verdadeira que as pesquisas arqueológicas que tencionam revelar o lado particular com a ideia de que esta está escondida, é clandestina, e deita luz sobre o que já se sabe.


Em boa verdade, eu não sei por que é que um pássaro voa, nem quero saber. Voar já é tanto.
Explicar o voo morfologicamente é reduzi--lo , é fazê-lo aterrar. O que é banal para o pássaro tem de continuar a ser maravilhoso para nós.

A vida é muito complicada e o nosso coração precisa de simplificá--la , sem ter medo de se «enganar». É preciso resistir à curiosidade e à arrogância. Conhecer deveria ser só o primeiro passo.



Miguel Esteves Cardoso _ Com alguns cortes _

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